Tornar-se veste estranha
"O corpo do qual a sexualidade neutra possui experiência não é máquina, mas sim roupa, coisa. Ele é feito de muitos tipos de tecidos sobrepostos e intersecantes entre si. Dar-se como uma coisa que sente significa pedir que os tecidos que constituem o corpo do parceiro venhama misturar-se com os seus próprios, criando uma única extensão na qual se viaja durante horas, por vários dias. Agarrar uma coisa que sente significa pedir que os próprios panos sejam acolhidos em qualquer lugar e sempre, a ponto de não serem reconhecidos nem por si nem pelo próprio parceiro como pertencentes a alguém. Assim, cai a diferença entre dar e pegar: e surge um corpo estranho, ou melhor, uma roupa estranha que não pertence a ninguém. Os corpos tornam-se rolos de tecido para serem desenrolados e dobrados um sobre o outro, até que finalmente se possa estabelecer uma nova ordem, associando sedas com sedas, lãs com lãs, lonas com lonas. A língua que me invade e me cobre, o sexo que me penetra e me veste, a boca que me suga e me desnuda, tudo é metáfora vestimental. Os órgãos são roupas das quais saltam botões e costuras, e que retornam na condição de pedaços de tecido abertos para serem trabalhados: assim, podem ser unidos e separados segundo novos critérios que não correspondam a nenhuma função e nenhum escopo."
O Sex Appeal do Inorgânico, Mario Perniola